Saturday, August 26, 2006

A Revisão

Eu nunca reviso o que escrevo. Quando o faço, fico meses corrigindo, melhorando, até que o texto acaba parecendo imbecil. Sei de outras pessoas que não revisam: o Paulo Coelho, por exemplo. Mas por razões místicas, já que o cara é quase tão supersticioso quanto os seus livros, acha que pode estragar o que a conjuntura cósmica propiciou, e aí prejudicar sua conta bancária. Acho que ele custa a acreditar no sucesso que faz, ou fez, sei lá, não tenho acompanhado as vendagens.

Quando não reviso, como na maior parte das vezes, acabo publicando uns erros boçais. Uma amiga, Esmeralda, acaba de detectar um deles: na primeira parte de "História do Interior", uma das carolas, Olga, surge no primeiro parágrafo do texto e some da história. Na verdade, o nome dela muda para Laura, e eu esqueci de corrigir todas as ocorrências.

Primeiro pensei em chama-la de Olga por conta de uma velhinha que um dia eu conheci num restaurante chinês que havia na Alameda Santos. Essa Dona Olga era uma senhora de uns oitenta e poucos anos, branquíssima, de olhos azuis muito claros. Era o começo dos anos 1980, e eu morava num apartamento da Fernão Cardin, dividindo com uns amigos, conhecido por todos os frequentadores como "O Antro". Éramos muito duros, naquela época de estudantes, e comíamos mal a maior parte do mês. De vez em quando, íamos a esse restaurante chinês que tinha rodízio, comíamos como camelos bebem água, e saíamos de lá intoxicados pelo glutamato que eles botavam no rango pra fazer a gente salivar. Naquele dia, eu e o Soró, que não morava no Antro mas podia ser considerado um "sócio-atleta", competíamos sobre os rolinhos primavera, que era, talvez, o que de melhor a cozinha daquele chinês cometia. Na mesa ao lado estava Dona Olga, que se intrometeu na nossa conversa, falando que gostava muito de comida chinesa. Aí, disse: "clarro, porr que eu sou chinesa, né", ela tinha um sotaque húngaro. Havia nascido e sido criada na China. Contou uma série de histórias interessantes, de como ela havia se apaixonado por um sujeito, e depois reencontrado com ele num avião, depois de 20 anos, e casado com ele. De como seus dentes eram bons graças ao uso de bicarbonato diariamente, que seu pai, bioquímico, sempre indicara. Mas depois de dez anos teria que ir à dentista, Dra. Mara, que ficava na Rua Tutóia. Ela não se lembrava do número, mas tinha uma memórria excelente quanto a lugares, acabarria achando o consultório. Pediu ajuda com as bengalas, ela usava duas, e quando demos por nós estávamos levando a velhinha ao consultório da dentista, duvidando que ela realmente conseguisse achar o lugar. Achou. Falou de umas netas que ela queria nos apresentar, despedimo-nos, nunca mais nos vimos. Mas às vezes eu me lembro das histórias dela, e achei que seria um bom nome para uma das velhinhas carolas.

Enquanto escrevia, porém, decidi que seriam realmente castas e religiosas, até sucumbirem aos pecados do orgulho e da inveja, ao final do conto. A Dona Olga era muito malandra para ser uma delas. Então, lembrei-me de uma poema do Dummond, "Casamento do Céu e do Inferno", que termina assim:

"Que a vontade de Deus se cumpra!
Tirante Laura e talvez Beatriz,
O resto vai para o inferno."

Decidi que Olga seria Laura, então. Só que fui incompetente na correção, e sobraram algumas Olgas. Beatriz sempre foi Beatriz, em homenagem à minha amiga Beatrice Neumann, que mora em Porto Alegre.

O Soró que eu mencionei é um grande amigo meu da faculdade de medicina, hoje é neurologista. Muita gente acha que o apelido dele deriva de um personagem de uma novela que passou nos anos 80, mas, na verdade, o nome do cara da novela é que foi inspirado no dele. É que na nossa classe havia a Carmela Negrão, filha do Walther Negrão, que escrevia e ainda escreve novelas para a Globo. Como vivíamos na casa deles, o Walther pegou o nome do Soró para o personagem, que autorizou, achando que se tratava de um privilégio. Mas acabou perdendo a propriedade do apelido, que ficou para sempre com o personagem.

O Antro mereceria um livro. Não vou nem começar, aqui. Esse é só um post meta-lingüístico. Em relação aos erros sem revisão, peço desculpa a todos os leitores desse blog. Quem quiser apontá-los, em comentários, não se avexe, estará fazendo um favor. Beijo a todos.

5 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Este post meta-lingüístico ficou com um ar de bastidores da história... Adooooro! ehehe
E, quanto ao(s) livro(s), continuo achando que deveria considerar. =)

4:58 PM  
Anonymous Anonymous said...

Revisar é mesmo uma chatice. Característica que, aliás, passa para os revisores. Mas de todo jeito é bom lembrar que o Paulo Coelho não precisa revisar porque fazem isso pra ele. Ou, cá entre nós, talvez ele não revise porque também não escreva...

10:25 PM  
Anonymous Anonymous said...

Ai,ai,ai Dimi. O problema é que viajo literalmente num texto, faço parte da história.
Me apresenta a Dnª Olga, ela deve ser uma figura :P

* Aguardando o tão esperado livro que eu, sua mãe, esposa, etc. achamos que você leva jeito pra coisa.

10:49 PM  
Anonymous Anonymous said...

Sempre que tento passar a limpo, o texto fica deveras diferente do original. Então, nem tento! A menos que seja um ótimo pretexto para aprimorá-lo!

2:17 AM  
Anonymous Anonymous said...

Não conheci nenhum velhinho japonês e nem sei como é o sotaque húngaro. Conheci dois franceses, há dois dias, enquanto passeava pela areia da praia aproveitando para catar uns dois lixinhos que estavam por ali. Por falar em pretexto, aquele foi a camiseta do Greenpeace. Deve ter sido, nunca andei tão vestida na areia da praia!

2:22 AM  

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