Friday, July 28, 2006

(NOVO) Os Prazeres e os Riscos: parte II

No texto anterior eu não consegui chegar ao ponto que queria. A lembrança do luto sincero e integral da Heloísa deixou tudo mais solene. Resolvi parar antes de chegar onde queria, por respeito e simpatia à sua dor.

Muita gente escreveu-me dizendo da perda de entes queridos, a dor da separação... Acho legal que o texto tenha movido estas pessoas, que tenha virado o que virou. Às vezes é assim, você quer escrever uma coisa, acaba virando outra. Prova da imperícia do escritor, ou da urgência do assunto que vingou. Quando comecei, meu tema era muito mais egoísta: eu queria falar sobre como o Playstation vem provavelmente salvando minha vida.

Tenho de admitir que tenho alguns hábitos que podem soar excêntricos e perigosos. Meu hábito de nadar no mar, por exemplo. Eu sei que é um pouco arriscado, mas parece muito pior do que realmente é. Da praia, pensam que eu estou nadando muito longe da costa. As pessoas perdem-me de vista. Mas, como as enseadas são curvas, em geral estou mais perto da praia do que as pessoas pensam. Nadar no mar dá uma sensação de autonomia muito boa. Ir de uma praia a outra pela força dos seus próprios braços e pernas, sentir-se só em meio a algo muito maior, envolto por águas que parecem infinitas, flutuando sobre profundidades insuspeitadas... é quase uma experiência religiosa. O mar tem essas propriedades, de redefinir as proporções, de deixar a gente mais conciente do tamanho do planeta e do universo. É um pouco como voar de avião, como navegar em alto mar, como pular de asa-delta, essas coisas perigosas de que o Alê gostava, e eu também. Como visitar o deserto. Imagino que Jesus errando pelo deserto da Galiléia deve ter chegado a essa dimensão. E talvez tenha pirado, de fato, ouvindo demônios dentro da cabeça, concluindo ser filho de Deus. (Os psicanalistas falam também de "experiências oceânicas", quando querem fazer referência a vivências reconfortantes, associadas a fantasias de retorno ao útero.)

Já dei vexame, por causa desses hábitos. Na verdade, em geral são as pessoas que me esperam na praia que dão o piti. Estamos impedidos de voltar a Trindade, por exemplo. Uma vez, fomos comer uma moqueca num boteco na areia da praia do meio. Depois de alguma caipirinha, cerveja e frutos do mar, resolvi dar uma nadada. Pedi a Patrícia que fosse buscar-me na primeira praia ali de Trindade, aquela menor, em que a gente sai depois do "Deus-me-livre". Quando estava quase na boca da praia, um cara num caiaque aproximou-se de mim. Meio lacônico, o cara me cumprimentou, meio caiçara, meio caipira. Cumprimentei de volta, achando estranho aquele cara ali de caiaque, parando no meio do mar para uma prosa. Aí ele disse que minha mulher tava desesperada, lá no bar. E que ele tinha saído atrás do cadáver, praticamente. Mas viu que eu estava bem. Perguntei se ele ia voltar ao boteco, ele disse que sim, pedi que reiterasse meu encontro com a Patrícia ali naquela praia. Ele partiu remando. Peguei uns jacarés com os surfistas, que estranharam meu surgimento do meio do mar, e fui até a praia. Fiquei esperando um pouco, até que meu carro surgiu buzinando muito e com raiva, entrei rapidinho, com Patrícia gritando e chorando.

Depois fiquei sabendo do ocorrido: que ela foi me seguindo com os olhos; depois de um determinado momento, eu sumi de vista. Perguntou se alguém conseguia ver-me, conseguiu um binóculo, não me achou, começou a ser recriminada por todos no bar, "como você deixou...", tentou convencer uns pescadores a irem dar uma busca de barco, os caras não quiseram, com os barcos já no abrigo, e a preguiça vespertina de quem escolheu ser pescador. Chorou, gritou, desacatou, ameaçou, conseguiu constranger o cara do caiaque.

Não foi a primeira vez que esse tipo de coisa aconteceu, mas foi a última. Nunca mais nadei no mar, a não ser localmente, pegando jacaré, surfando... essas coisas. Tudo bem. Mas em janeiro passei um mês na praia, Costão do Santinho. Fui sem carro. Um mês dentro de um condomínio. Abrigado. Comendo nos mesmo lugares todo dia. Hummm... minha barba começou a cair! Estressei.

É isso. O abrigo em demasia estressa, a falta de secreção das adrenais, de excitação e novidade causa-me uma uma espécie de síndrome de abstinência. Meu DNA provavelmente não foi selecionado para esse tipo de vida. Digo isso vendo minha filha. Acordada, em casa, ela dura 20 minutos. Depois desse prazo, tem que sair, pendurar-se nos brinquedos da praça. Mesmo DNA. Não tem dois anos, ainda, e já quebrou dois dentes, a sapeca.

Minha vida sempre foi assim: compatibilizar esses impulsos, que são de vida, mas também de morte, com uma existência relativamente normal, criando filhos, tendo um lar, plano de saúde, caminhando para uma velhice amparada. Mas meu cérebro, a cada par de anos, arma situações para que eu abandone a estabilidade. E eu depois tenho que reconstruí-la. Talvez eu tenha nascido para ser um aventureiro, mesmo, um vagabundo, um gauche na vida. Um anjo meio torto deve ter envenenado meus ouvidos. Enquanto não vem pra me buscar, jogo playstation.

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Minha avó provavelmente diria que você não cresceu. rssss
Eu prefiro acreditar que se a gente não pode ser inconseqüente de vez em quando, não faz a vida valer a pena.
Bom quando se consegue equilibrar prazeres e riscos sem sofrer (e sem causar sofrimento).

PS: Abrigo em demasia estressa mesmo! E como!...

10:22 PM  
Anonymous Anonymous said...

As pessoas realmente não entendem qd agente tem pilha ultra power neh ^^
Minha mãe quer morrer qd eu fico mais de 24 hs acordada sem parar, e ainda com um pique invejavel.
Nhai, eu imagino vc fazendo sua familia surtar de preocuação, mas eh pq se preocupam com vc e te amam, só que entender que vc sabe mt bem oq está fazendo e conhece seus limites eh dificil.
E o dia que vc me apresentar sua filhota se prepara que ela perde mais 2 dentes no minimo!!!
Muack!!!

12:52 AM  
Anonymous Anonymous said...

A Patricia tem toda razao. E cuidado para nao acontecer como aquele cara na California. Ele foi nadar no alto mar, veio um helicoptero para pegar agua do mar para apagar um fogo numa floresta vizinha e acabou capturando o sujeito e jogando ele em cima das arvores. Qdo foi achado ele estava com roupa completa de mergulho, pe-de-pato, mascara ainda na cara e tudo.

12:13 PM  

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