Monday, August 14, 2006


Tempo

(ilustração: Marcel Duchamp, "Etant Donné", 1946-1966.)

Quando minha mãe resolveu fazer uma arrumação na casa, recebi uns 300 discos de vinil que eu colecionei desde criança que estavam sob sua custódia. Saí à procura de um, como direi, "toca-discos", uma "vitrola", uma "pick-up" pra tocar esses discos que eu não ouvia há mais de 20 anos (argh!). Depois de algumas horas na Sta. Efigênia, perguntando e procurando, achei um negócio da China: um conjunto de duas pick-ups Technics Mk II, com cases profissionais, por um preço magnífico. Coisa de MC desiludido. Mas o cara só vendia o par...

Liguei pro Jair, "Jaco! Achei um par de Mk II com case, o preço das duas juntas não dá pra pagar os cases! Aí, quer rachar comigo? Você fica com uma e eu com outra!"

O Jair: "Pô, Dimão, tô dentro, cara, demais!"

Eu: "Legal, cara, fou fechar, então!"

Ele: "Maravilha! Mas, Dimão, vem cá... o que que é MkII mesmo?"



***


É bom haver confiança entre sócios. Isso foi há três anos. Instalei a coisa no meu home-theater, e o som ficou meia-boca. Tive a oportunidade de ouvir uma meia dúzia de velhos amigos de vinil antes que a Bebel nascesse e fosse instaurada a lei da mordaça. Depois disso, mudamos para um apartamento maior, e a pick-up não chegou a ser instalada, nem o home-theater. Nossa mudança foi meio intempestiva. Morávamos há uns 8 anos no Edifício São Carlos, na República do Líbano, bem em frente ao parque. Estávamos acostumados à vista das árvores, à vista da Paulista, ao sol alaranjado do final de tardes de verão, ao apartamento em si. Mas ficou miúdo, principalmente após a convulsão que a Patrícia teve no puerpério. Foi preciso contratar um babá para ajudar durante o dia, e aí ficou mesmo apertado.

Os vizinhos eram ótimos. Raramente os víamos, é um prédio de apenas 5 andares, dificilmente as pessoas compartilham uma voltinha de elevador. O Clodovil morava no térreo, é certo que é uma personagem polêmica, no mínimo. Mas a Dona Tereza era gentil e atenciosa. É a dona do prédio, praticamente. Seu pai o construiu nos anos 1940 ou 50, ela herdou metade do prédio, enquanto que a outra metade ficou com a segunda mulher do pai, fato que nunca aceitou com serenidade. Ao longo dos anos, Dona Tereza foi tratando de comprar os apartamentos que eram da madrasta, através de terceiros, e reintegrou quase todo o imóvel à sua posse. Quando estávamos quase abandonando o prédio, Patrícia teve uma crise de choro bem na frente de Dona Tereza, que se comoveu: ofereceu seu apartamento pessoal, que era maior e ocupava todo o 2º andar, para que ficássemos mais confortáveis. Infelizmente, recobrou o juízo depois de alguns dias, e voltamos atrás no negócio.

Acabamos mudando para perto, mesmo, na Domingos Leme. Meio na correria. Nunca gostamos muito deste apartamento onde estamos. A proprietária é um "case" sem rodinha, uma maluca egoísta e cheia de Botox. Então, os quadros não chegaram às paredes, não fizemos as alterações, sentíamos como se fosse provisória, a nossa estadia. E não instalei minha Technics MkII.

Mas a Bebel já vai fazer 2 anos, e ainda estamos entre as paredes nuas. Hoje resolvi instalar o toca-discos, pelo menos. A uma certa altura, toquei o Clube da Esquina 2, do Milton e mineiros associados. Esse disco a Silvinha Aguiar me apresentou no primeiro ano de medicina, em 1982. Eu morava numa garagem na Vila Clementino, alugada de uma Dona Carmen, muito simpática e maluca. A garagem era o reduto da galera caloura. Eu me lembro que o Clube da Esquina 2 era um disco velho, na época. Mas hoje vi na capa que ele é de 1978. Tinha 4 anos, só, em 82, e a gente achava muito antigo. Hoje olhos para os meus discos relativamente recentes e vejo que têm quase todos uns 10 anos de idade.

A noção de tempo deve vir de uma relação que fazemos com o quanto já vivemos. Por exemplo: quando temos dois anos de idade, viver mais um ano é viver metade de todo o tempo que você já conheceu e concebeu durante sua vida. É uma eternidade. Quando temos 24 anos, um ano vale tanto quanto um mês para a criança de dois anos. Assim, em 82, os 4 anos do Clube da Esquina significavam para meus 17 anos da época tanto quanto 9,65 anos significam hoje para os meus 42...

Esqueça a matemática. O que eu quero dizer é que a vida acelera. Isso todo o mundo percebe. Cada ano passa mais rápido, voa, todo mundo reclama. Quando estávamos esperando a Bebel, tinha a esperança de que criar um filho devia restabelecer o ritmo: perceber a vida pelos olhos da criança, ver como ela cresce e evolui, iria desacelerar a coisa. Mentira. Logo você é surpreendido de como seu filho cresce rápido, como aprende rápido, e acredita falsamente que as crianças de hoje são mais rápidas. É o seu tempo que anda mais rápido.

Uma vez perguntaram ao Sto. Agostinho o que Deus havia feito antes da criação do Universo: ficou esperando sentado no nada? O santo ficou desesperado, atormentado que era com as questões sinucais da teologia. Depois de um mês dormindo mal, chegou à resposta: que o Tempo havia sido criado junto com o Universo. Antes disso, não havia "antes". Depois do fim do Universo, não haverá "depois".

Tempo é presença. É vivência, mesmo que seja vivência de uma pedra ou de uma bola de gás Hélio. Se não houver ninguém ou nada para testemunhar, o tempo deixa de existir. O tempo não existe dentro de buracos negros, ele se apaga junto com a luz encarcerada, que não permite haver evidência das coisas. Tempo é memória. Quanto mais longa for essa memória, quanto mais extenso for o período vivenciado, mais rápido o tempo corre.

...

É realmente melhor fazer uma canção...

6 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Aqui em casa tem um monte de disco, porém nenhum lugar p/ tocar. Um dia minha mãe deu um piti e resolveu "mandar embora" ( entende-se jogar fora! rs) a vitrola quebrada.
Agora ficam os discos aqui ocupando espaço rsrsrs.
Tempo?
Nossa, ta passando mto rápido mesmo...lembro que qdo eu era pequenina demorava tanto ...minha referência era aniversário e Natal, e hj tudo passa bemmmm mais rápido. Imagina qdo eu tiver quarentinha!!! hahahaha


um bjo,
Denise

4:48 PM  
Anonymous Anonymous said...

Meu irmão entende muito mais dessa coisa de vinil do que eu (hehe), mas eu sou movida a música e se tem uma coisa que eu piro é em encarte de disco. E nisso os vinis tinham aquela vantagem de serem maiores, né?... Mas hoje em dia (olha o tempo aí! rsss) me contento com os dos CDs mesmo. Pra mim, a pior coisa nessa história de preços absurdos dos discos é que quando a gente não compra, também não pode desfrutar dos encartes. Enfins...
Melhor mesmo é guardar o tempo com canções...

9:42 AM  
Anonymous Anonymous said...

Ah, Dimi, discos em vinil, q delícia, música quente, com chiado de agulha.Há alguns anos eu e meu irmão, Nando, tivémos que retirar os últimos exemplares q ainda estavam na casa dos nossos pais por conta de uma mega reforma q iria acontecer por lá. E então me dei conta de mil histórias deixadas no antes, como o Shadows and Light , vinil duplo, coisa rara/cara/importado pessoalmente da HMV, de qdo comprar disco era aventura de A a Z literalmente. Aquele tempo vivi tudo intensamente. O tempo de hj passa mais rápido sim, e eu ainda tento viver com a mesma força todas as faixas, mesmo as q pulam q estão riscadas, e até descubro aquelas q estão lá pertinho do miolo, as faixas bônus. Q lindo, cara. E aí? Cadê a canção, hein?!? bjs, saudades de 86

8:25 AM  
Anonymous Anonymous said...

Dimi so pra dizer q é muito legal... ler seu blogger... a maneira q escreve.....sempre leio
bj
helo

1:51 PM  
Anonymous Anonymous said...

nossa, tem um monte de discooss aquiii só que é impossivel de ouvir.. não tenho nada para ouvir discos de vinil auqui. =]/ que droga! vou acadar colocando os coitadinhos na parede do meu quarto, xD pelo menos vai ficar legall. datsdfa tirando que daqui algum tempo eles valeram fortunassss ahahahaha.
beijooooos dimi.

8:22 AM  
Anonymous Anonymous said...

Desacelera, Dimi! É a gente que faz o tempo andar cada vez mais rápido.

Ziza

7:54 AM  

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