Tempo
(ilustração: Marcel Duchamp, "Etant Donné", 1946-1966.)
Quando minha mãe resolveu fazer uma arrumação na casa, recebi uns 300 discos de vinil que eu colecionei desde criança que estavam sob sua custódia. Saí à procura de um, como direi, "toca-discos", uma "vitrola", uma "pick-up" pra tocar esses discos que eu não ouvia há mais de 20 anos (argh!). Depois de algumas horas na Sta. Efigênia, perguntando e procurando, achei um negócio da China: um conjunto de duas pick-ups Technics Mk II, com cases profissionais, por um preço magnífico. Coisa de MC desiludido. Mas o cara só vendia o par...
Liguei pro Jair, "Jaco! Achei um par de Mk II com case, o preço das duas juntas não dá pra pagar os cases! Aí, quer rachar comigo? Você fica com uma e eu com outra!"
O Jair: "Pô, Dimão, tô dentro, cara, demais!"
Eu: "Legal, cara, fou fechar, então!"
Ele: "Maravilha! Mas, Dimão, vem cá... o que que é MkII mesmo?"
***
É bom haver confiança entre sócios. Isso foi há três anos. Instalei a coisa no meu home-theater, e o som ficou meia-boca. Tive a oportunidade de ouvir uma meia dúzia de velhos amigos de vinil antes que a Bebel nascesse e fosse instaurada a lei da mordaça. Depois disso, mudamos para um apartamento maior, e a pick-up não chegou a ser instalada, nem o home-theater. Nossa mudança foi meio intempestiva. Morávamos há uns 8 anos no Edifício São Carlos, na República do Líbano, bem em frente ao parque. Estávamos acostumados à vista das árvores, à vista da Paulista, ao sol alaranjado do final de tardes de verão, ao apartamento em si. Mas ficou miúdo, principalmente após a convulsão que a Patrícia teve no puerpério. Foi preciso contratar um babá para ajudar durante o dia, e aí ficou mesmo apertado.
Os vizinhos eram ótimos. Raramente os víamos, é um prédio de apenas 5 andares, dificilmente as pessoas compartilham uma voltinha de elevador. O Clodovil morava no térreo, é certo que é uma personagem polêmica, no mínimo. Mas a Dona Tereza era gentil e atenciosa. É a dona do prédio, praticamente. Seu pai o construiu nos anos 1940 ou 50, ela herdou metade do prédio, enquanto que a outra metade ficou com a segunda mulher do pai, fato que nunca aceitou com serenidade. Ao longo dos anos, Dona Tereza foi tratando de comprar os apartamentos que eram da madrasta, através de terceiros, e reintegrou quase todo o imóvel à sua posse. Quando estávamos quase abandonando o prédio, Patrícia teve uma crise de choro bem na frente de Dona Tereza, que se comoveu: ofereceu seu apartamento pessoal, que era maior e ocupava todo o 2º andar, para que ficássemos mais confortáveis. Infelizmente, recobrou o juízo depois de alguns dias, e voltamos atrás no negócio.
Acabamos mudando para perto, mesmo, na Domingos Leme. Meio na correria. Nunca gostamos muito deste apartamento onde estamos. A proprietária é um "case" sem rodinha, uma maluca egoísta e cheia de Botox. Então, os quadros não chegaram às paredes, não fizemos as alterações, sentíamos como se fosse provisória, a nossa estadia. E não instalei minha Technics MkII.
Mas a Bebel já vai fazer 2 anos, e ainda estamos entre as paredes nuas. Hoje resolvi instalar o toca-discos, pelo menos. A uma certa altura, toquei o Clube da Esquina 2, do Milton e mineiros associados. Esse disco a Silvinha Aguiar me apresentou no primeiro ano de medicina, em 1982. Eu morava numa garagem na Vila Clementino, alugada de uma Dona Carmen, muito simpática e maluca. A garagem era o reduto da galera caloura. Eu me lembro que o Clube da Esquina 2 era um disco velho, na época. Mas hoje vi na capa que ele é de 1978. Tinha 4 anos, só, em 82, e a gente achava muito antigo. Hoje olhos para os meus discos relativamente recentes e vejo que têm quase todos uns 10 anos de idade.
A noção de tempo deve vir de uma relação que fazemos com o quanto já vivemos. Por exemplo: quando temos dois anos de idade, viver mais um ano é viver metade de todo o tempo que você já conheceu e concebeu durante sua vida. É uma eternidade. Quando temos 24 anos, um ano vale tanto quanto um mês para a criança de dois anos. Assim, em 82, os 4 anos do Clube da Esquina significavam para meus 17 anos da época tanto quanto 9,65 anos significam hoje para os meus 42...
Esqueça a matemática. O que eu quero dizer é que a vida acelera. Isso todo o mundo percebe. Cada ano passa mais rápido, voa, todo mundo reclama. Quando estávamos esperando a Bebel, tinha a esperança de que criar um filho devia restabelecer o ritmo: perceber a vida pelos olhos da criança, ver como ela cresce e evolui, iria desacelerar a coisa. Mentira. Logo você é surpreendido de como seu filho cresce rápido, como aprende rápido, e acredita falsamente que as crianças de hoje são mais rápidas. É o seu tempo que anda mais rápido.
Uma vez perguntaram ao Sto. Agostinho o que Deus havia feito antes da criação do Universo: ficou esperando sentado no nada? O santo ficou desesperado, atormentado que era com as questões sinucais da teologia. Depois de um mês dormindo mal, chegou à resposta: que o Tempo havia sido criado junto com o Universo. Antes disso, não havia "antes". Depois do fim do Universo, não haverá "depois".
Tempo é presença. É vivência, mesmo que seja vivência de uma pedra ou de uma bola de gás Hélio. Se não houver ninguém ou nada para testemunhar, o tempo deixa de existir. O tempo não existe dentro de buracos negros, ele se apaga junto com a luz encarcerada, que não permite haver evidência das coisas. Tempo é memória. Quanto mais longa for essa memória, quanto mais extenso for o período vivenciado, mais rápido o tempo corre.
...
É realmente melhor fazer uma canção...
6 Comments:
Aqui em casa tem um monte de disco, porém nenhum lugar p/ tocar. Um dia minha mãe deu um piti e resolveu "mandar embora" ( entende-se jogar fora! rs) a vitrola quebrada.
Agora ficam os discos aqui ocupando espaço rsrsrs.
Tempo?
Nossa, ta passando mto rápido mesmo...lembro que qdo eu era pequenina demorava tanto ...minha referência era aniversário e Natal, e hj tudo passa bemmmm mais rápido. Imagina qdo eu tiver quarentinha!!! hahahaha
um bjo,
Denise
Meu irmão entende muito mais dessa coisa de vinil do que eu (hehe), mas eu sou movida a música e se tem uma coisa que eu piro é em encarte de disco. E nisso os vinis tinham aquela vantagem de serem maiores, né?... Mas hoje em dia (olha o tempo aí! rsss) me contento com os dos CDs mesmo. Pra mim, a pior coisa nessa história de preços absurdos dos discos é que quando a gente não compra, também não pode desfrutar dos encartes. Enfins...
Melhor mesmo é guardar o tempo com canções...
Ah, Dimi, discos em vinil, q delícia, música quente, com chiado de agulha.Há alguns anos eu e meu irmão, Nando, tivémos que retirar os últimos exemplares q ainda estavam na casa dos nossos pais por conta de uma mega reforma q iria acontecer por lá. E então me dei conta de mil histórias deixadas no antes, como o Shadows and Light , vinil duplo, coisa rara/cara/importado pessoalmente da HMV, de qdo comprar disco era aventura de A a Z literalmente. Aquele tempo vivi tudo intensamente. O tempo de hj passa mais rápido sim, e eu ainda tento viver com a mesma força todas as faixas, mesmo as q pulam q estão riscadas, e até descubro aquelas q estão lá pertinho do miolo, as faixas bônus. Q lindo, cara. E aí? Cadê a canção, hein?!? bjs, saudades de 86
Dimi so pra dizer q é muito legal... ler seu blogger... a maneira q escreve.....sempre leio
bj
helo
nossa, tem um monte de discooss aquiii só que é impossivel de ouvir.. não tenho nada para ouvir discos de vinil auqui. =]/ que droga! vou acadar colocando os coitadinhos na parede do meu quarto, xD pelo menos vai ficar legall. datsdfa tirando que daqui algum tempo eles valeram fortunassss ahahahaha.
beijooooos dimi.
Desacelera, Dimi! É a gente que faz o tempo andar cada vez mais rápido.
Ziza
Post a Comment
<< Home