Monday, May 07, 2007


Tempo

Está tudo certo, como tudo sempre esteve:
O que é, tinha de ser
O que foi, tinha de ter sido.

O que quer que fosse, não o sendo,
Nunca foi, jamais será
Por toda a eternidade do instante presente.

E o Futuro, a mim pertence.
Lembrança do que virá a ser.
Futurado em Presente, de depois é passado a agora:
É deposto.
E Cai no esquecimento do Real, sendo.

Está tudo certo, como sempre tudo estará.

Sunday, May 06, 2007

Mais Sobre a Percepção da Realidade



As fotografias ao lado retratam Lênin discursando aos soldados do exército vermelho, cobrindo-os de razões para combater os poloneses, em 1920. A foto de cima mostra Lênin debruçado sobre sua platéia, à beira de um palanque de madeira. Ao lado do palanque, vemos a figura de Trotsky, que na época era o comandante do exército vermelho. Quando Trotsky desentendeu-se com Stalin, foi feito um grande esforço para apagá-lo da memória soviética. Assim, a famosa foto de baixo, muito utilizada pela propaganda stalinista, apresenta um palanque ligeiramente maior, com uma extensão onde deveria estar o Lev Trotsky. Um retoque, prática comum naqueles tempos. Imagina se houvesse Photoshop.

O Trotsky era um desses caras que vivem discordando. Antes da Revolução Russa já havia sido exilado e deportado de vários países, tanto que estava em Nova Iorque quando chutaram o Tzar Nicolau II do trono. Voltou correndo, mas seu navio foi interceptado, e os soviéticos ficaram em dúvida sobre aceitar sua entrada na Rússia durante um bom tempo. E tinham razão. Era um purista. Discordava de quem fazia concessões. Queria preservar os ideais que caras como ele e Lênin tinham depurado no exílio em Londres, entre outras cidades européias. Quando seu camarada Lênin morreu, Trotsky ficou sem pai nem mãe, e foi expulso da união soviética por discordar do politburo. Foi morar, no final das contas, no México, transou com a Frida Kahlo, que eu acho uma gata, apesar dos contemporâneos e ela mesma jurarem de pé junto que era um estropício. E foi assassinado por um agente mex-soviético. Teve uma vida coerente e emocionante, de um vilarejo da Ucrânia para o mundo, e teve a honra de ter no currículo sua posição anti-stalinista. Foi apagado da história soviética, mas sobreviveu na memória mundial. Devia ser um comunista legal. Era um bom cmarada. Ninguém pode negar.

Mas esse artigo não é para falar bem do Trotsky. Meu interesse é pelas fotos do Lênin, com e sem Trotsky. Eu vi as tais fotos quando ainda era criança, e elas me impressionaram muito. O processo de alterar a história a posteriori me pareceu uma brutalidade inominável. Uma radical violência contra a humanidade e contra a verdade. Ajudou a tornar-me um leitor crítico. Paranóico, quase.

Porque esse tipo de processo é mais freqüente do que pode parecer. Na campanha do Kerry para a presidência dos EUA, ele também forçou a barra, fotograficamente:




Incluiu a Jane Fonda numa foto sua de juventude. Eu também gostaria de incluir a Jane Fonda em várias cenas da minha vida, principalmente ela em sua juventude. O Kerry até deve ter participado de algum comício anti-belicista com a beldade em questão, e se remoía de não ter uma foto boa da ocasião. Apelou para a desonestidade.

Mas o objetivo desse texto também não é falar mal do Kerry. Ele é história. Ou, nem isso. Eu quero chamar a atenção para a atrocidade que isso é. Quando vivíamos sob o regime militar, não dava para acreditar em nada. Essa era a vantagem de ter um inimigo claro, se é que há alguma vantagem em mais de 20 anos de ditadura. Quando o Estadão publicava Camões, sabíamos que era espaço de matéria censurada. Quando as fotos do Herzog suicidado apareceram, ninguém acreditou. Era um problema de força bruta: todo mundo sabia que era mentira, mas ninguém podia dizer.

Hoje temos um fenômeno diferente: o presidente mente mais que guri em porta de boate, muita gente sabe que é mentira, alguns dizem, mas ninguém mais se importa. O Lula tem uma cara de pau sem precedentes. Tudo o que há de bom nesse momento, ele diz que foi ele quem fez. A estabilização da moeda, por exemplo, ele diz que foi ele quem fez. Distorce a história como poucos. Ele e seu governo vão aos poucos politizando os órgãos de pesquisa que até então pareciam relativamente objetivos. Quis que o IBGE, por exemplo, submetesse ao crivo presidencial resultados do seu levantamento bienal. Agora, tenta interferir no IPEA. A gravidade maior desse processo reside na falta de oposição que ele vem encontrando. Quem entende o que está acontecendo ou fica perplexo, como eu, ou bandeia para o seu lado, como a maioria dos políticos outrora oposicionistas ferrenhos. Todo o mundo pensa que só dá pra ganhar eleição ficando ao lado do grande irmão populista; então, o cara fica hegemônico.

Mas meu objetivo também não é falar mal do Lula. É verificar a situação em que uma população oscila entre a crença cega, regada a bolsas-famílias, e o ceticismo ignorante, que não consegue levar a uma proposta de projeto. O cidadão comum diz que tudo é uma merda. Que todos os políticos são corruptos. Que não há saída para nenhum problema. Que a culpa foi do modelo de colonização dos portugueses. Que para cá só veio bandido e puta. Que a gente era feliz e não sabia. Que era melhor se os militares voltassem. Que só se houvesse pena de morte...

O necessário, nesse momento, é uma geração de gente crítica, sim, mas não imobilizada e maniqueísta. Gente que possa apreender a realidade de uma maneira curiosa e, ao mesmo tempo, desconfiada. Que aprenda a filtrar, de alguma maneira, as distorções que os personagens tentam impor à História, sem que o diagnóstico dessa desonestidade leve à descrença geral e paralizante, mas que traga informação que possa ser usada em projeto de reconstrução.

Deu pra entender?