Saturday, July 03, 2010


(Mosaico do assoalho do Grande Palácio de Constantinopla, que mostra alguns "venatores" lutando contra um tigre, séc. V d.C.)


Brasil eliminado

Tostão
tostaocoluna@yahoo.com.br
03/07/2010 02:00

Atualizada às: 03/07/2010 00:34
O Brasil fez o melhor primeiro tempo e o pior segundo tempo da Copa. No primeiro, poderia ter feito mais de um gol. No segundo, quando perdia por 2 a 1, foi todo para frente, e a Holanda teve mais chances de fazer o terceiro, que o Brasil de empatar.
O Brasil, que fez, durante os quatro anos sob o comando de Dunga, um grande numero de gols em jogadas aéreas, levou dois gols nesse tipo de lance.
O Brasil, que procurou, durante quatro anos, um lateral-esquerdo, levou dois gols em jogadas que se iniciaram por esse setor.
O Brasil, que sempre teve um armador pela direita para ajudar Maicon (Elano ou Daniel Alves), nunca teve um armador, pela esquerda, para ajudar Michel Bastos. Desse lado, começaram as duas jogadas dos gols.
O Brasil, que tinha uma grande preocupação com as faltas violentas e as expulsões de Felipe Melo, teve o jogador expulso quando o time perdia e precisava reagir.
O atleta de cristo Felipe Melo, que deu um excelente passe para o gol do Brasil, escreveu em seu Twitter, na véspera da partida: “O melhor de Deus ainda esta por vir. Creiam”. Deus não gosta de jogador violento.
Foi uma repetição da Copa de 2006, quando o Brasil foi eliminado nas quartas de final para a França. Lembro que, na época, assisti à partida ao lado de Clóvis Rossi, perplexo com a atuação de Zidane. Dessa vez, não havia Zidane, mas tinha Sneijder e Robben. Não é só o Brasil que tem craques. Dunga disse, após o jogo, que trocou Luís Fabiano por Nilmar para aproveitar sua velocidade. No momento em que o Brasil perdia e tinha de pressionar e usar as jogadas aéreas, seria muito melhor um ótimo cabeceador que um velocista.
As virtudes do Brasil, bastante conhecidas antes da partida, como o excelente contra-ataque, as jogadas aéreas, a qualidade de seu goleiro (falhou no gol) e de seus defensores, não acabaram por causa de uma derrota. As deficiências do Brasil, como a falta de mais talento na lateral esquerda e no meio-campo, e o despreparo emocional de Felipe Melo para disputar uma Copa, ficaram ainda mais evidentes.
Como em 2006, o Brasil foi eliminado por um time do mesmo nível técnico. Não houve surpresa. Temos de valorizar o adversário. Precisamos terminar com nossa prepotência de achar que o Brasil é sempre melhor.


Resposta a Tostão

Tostão, sou seu grande fã, mas não concordo. Não vi uma Holanda jogar melhor e ganhar do Brasil. Vi, sim, um Brasil fazer um gol contra, entrar em total pânico, bobear numa jogada de escanteio e desestruturar-se emocionalmente após a virada, coisa que ficou cristalizada na falta de qualquer bom senso de Felipe Melo. Mesmo assim, com o Brasil em frangalhos, a Holanda falhou em matar o jogo quando teve as chances, que não foram muitas. E ainda quase empatamos em dois escanteios seguidos de confusão na pequena área. É claro que não somos, a priori, melhores do que ninguém mas, de fato, o Brasil de ontem, visto o primeiro tempo do jogo, só perderia para ele mesmo, e foi o que aconteceu. É claro que, depois de certo ponto, o Dunga fez sua parte na derrota: havia convocado mal e não tinha grandes opções tácticas no banco, substituiu mal e não conseguiu transmitir aos jogadores a confiança necessária ao reequilíbrio na partida.
Mas o Brasil tinha tudo para ganhar, e seguir ganhando. O que tem dado de errado? É importante ver o teor do discurso dos jogadores, olhos inchados, ao saírem do vestiário: "sofremos muito"; "ninguém sabe o que a gente passou"; "o grupo estava fechado". Etc. Estas frases, junto ao noticiário das últimas semanas, deixam claro o clima de perseguição a que estes jogadores e o próprio técnicos submeteram-se. E isso é devido a um tripé, na minha opinião:
1. em primeiro lugar, à atitude do próprio Dunga, que não soube relacionar-se com a imprensa, entrando em conflito frontal e direto, gerando um clima de desconfiança mútua e sobrecarregando a equipe com uma pressão extra - pressão esta que , paradoxalmente, serviu para unir a equipe em torno do objetivo de provar que estavam certos, mas gerou a instabilidade emocional que aflorou ao primeiro momento de desvantagem.
2. em segundo lugar, a própria imprensa, que não soube respeitar o trabalho de Dunga, mesmo discordando. Quase todas as perguntas ao técnico, desde a convocação, embutiam uma crítica velada às suas decisões e modo de atuar. O Brasil não tem jornalistas esportivos, hoje em dia, mas sim críticos futebolísticos, digamos. Esta atitude denuncia, sim, um sentimento de que há um jeito brasileiro de entender e jogar o futebol, jeito este que seria superior, como você bem diagnosticou em seu texto; jeito do qual a crítica esportiva sente-se a porta-voz.
3. O povo brasileiro deposita demasiadamente sua honra e auto estima nesta competição, também confiando no mito da eterna superioridade brasileira. A crença nesta superioridade tem suas justificativas: somos os maiores campeões da história, somos um país enorme com uma predileção acentuada pelo futebol, temos uma imensa população de meninos pobres que todos os anos abraça a carreira futebolística e gera novos craques. Mas, numa competição, a derrota é sempre uma possibilidade, e isto não é desonra. O valor de uma nação não tem a ver com seu desempenho numa competição esportiva. A auto estima dos seus cidadãos não deveria depender do reconhecimento que o mundo demonstra em relação ao desempenho de atletas que nem mesmo atuam no país. Desonra, sim, seria não lutar com todas as suas forças.
E neste ponto, meu ídolo Tostão, discordo novamente de você: não foi como em 2006. Em 2006 a seleção falhou em lutar. Em 2010, podemos ter todas as críticas possíveis em relação a esta seleção e a este técnico, mas não podemos acusá-los de não serem combativos.
Enfim, não perdemos da Holanda, ontem, que não jogou quase nada, a meu ver. Perdemos de nós mesmos, apesar de não sermos imbatíveis. Enquanto não conseguirmos enxergar nossos limites e que somos humanos como todos os outros, corremos grandes riscos de continuarmos apanhando sem conseguir exercer nosso melhor desempenho. E nisso eu concordo com você: é prepotência.