Sunday, May 06, 2007

Mais Sobre a Percepção da Realidade



As fotografias ao lado retratam Lênin discursando aos soldados do exército vermelho, cobrindo-os de razões para combater os poloneses, em 1920. A foto de cima mostra Lênin debruçado sobre sua platéia, à beira de um palanque de madeira. Ao lado do palanque, vemos a figura de Trotsky, que na época era o comandante do exército vermelho. Quando Trotsky desentendeu-se com Stalin, foi feito um grande esforço para apagá-lo da memória soviética. Assim, a famosa foto de baixo, muito utilizada pela propaganda stalinista, apresenta um palanque ligeiramente maior, com uma extensão onde deveria estar o Lev Trotsky. Um retoque, prática comum naqueles tempos. Imagina se houvesse Photoshop.

O Trotsky era um desses caras que vivem discordando. Antes da Revolução Russa já havia sido exilado e deportado de vários países, tanto que estava em Nova Iorque quando chutaram o Tzar Nicolau II do trono. Voltou correndo, mas seu navio foi interceptado, e os soviéticos ficaram em dúvida sobre aceitar sua entrada na Rússia durante um bom tempo. E tinham razão. Era um purista. Discordava de quem fazia concessões. Queria preservar os ideais que caras como ele e Lênin tinham depurado no exílio em Londres, entre outras cidades européias. Quando seu camarada Lênin morreu, Trotsky ficou sem pai nem mãe, e foi expulso da união soviética por discordar do politburo. Foi morar, no final das contas, no México, transou com a Frida Kahlo, que eu acho uma gata, apesar dos contemporâneos e ela mesma jurarem de pé junto que era um estropício. E foi assassinado por um agente mex-soviético. Teve uma vida coerente e emocionante, de um vilarejo da Ucrânia para o mundo, e teve a honra de ter no currículo sua posição anti-stalinista. Foi apagado da história soviética, mas sobreviveu na memória mundial. Devia ser um comunista legal. Era um bom cmarada. Ninguém pode negar.

Mas esse artigo não é para falar bem do Trotsky. Meu interesse é pelas fotos do Lênin, com e sem Trotsky. Eu vi as tais fotos quando ainda era criança, e elas me impressionaram muito. O processo de alterar a história a posteriori me pareceu uma brutalidade inominável. Uma radical violência contra a humanidade e contra a verdade. Ajudou a tornar-me um leitor crítico. Paranóico, quase.

Porque esse tipo de processo é mais freqüente do que pode parecer. Na campanha do Kerry para a presidência dos EUA, ele também forçou a barra, fotograficamente:




Incluiu a Jane Fonda numa foto sua de juventude. Eu também gostaria de incluir a Jane Fonda em várias cenas da minha vida, principalmente ela em sua juventude. O Kerry até deve ter participado de algum comício anti-belicista com a beldade em questão, e se remoía de não ter uma foto boa da ocasião. Apelou para a desonestidade.

Mas o objetivo desse texto também não é falar mal do Kerry. Ele é história. Ou, nem isso. Eu quero chamar a atenção para a atrocidade que isso é. Quando vivíamos sob o regime militar, não dava para acreditar em nada. Essa era a vantagem de ter um inimigo claro, se é que há alguma vantagem em mais de 20 anos de ditadura. Quando o Estadão publicava Camões, sabíamos que era espaço de matéria censurada. Quando as fotos do Herzog suicidado apareceram, ninguém acreditou. Era um problema de força bruta: todo mundo sabia que era mentira, mas ninguém podia dizer.

Hoje temos um fenômeno diferente: o presidente mente mais que guri em porta de boate, muita gente sabe que é mentira, alguns dizem, mas ninguém mais se importa. O Lula tem uma cara de pau sem precedentes. Tudo o que há de bom nesse momento, ele diz que foi ele quem fez. A estabilização da moeda, por exemplo, ele diz que foi ele quem fez. Distorce a história como poucos. Ele e seu governo vão aos poucos politizando os órgãos de pesquisa que até então pareciam relativamente objetivos. Quis que o IBGE, por exemplo, submetesse ao crivo presidencial resultados do seu levantamento bienal. Agora, tenta interferir no IPEA. A gravidade maior desse processo reside na falta de oposição que ele vem encontrando. Quem entende o que está acontecendo ou fica perplexo, como eu, ou bandeia para o seu lado, como a maioria dos políticos outrora oposicionistas ferrenhos. Todo o mundo pensa que só dá pra ganhar eleição ficando ao lado do grande irmão populista; então, o cara fica hegemônico.

Mas meu objetivo também não é falar mal do Lula. É verificar a situação em que uma população oscila entre a crença cega, regada a bolsas-famílias, e o ceticismo ignorante, que não consegue levar a uma proposta de projeto. O cidadão comum diz que tudo é uma merda. Que todos os políticos são corruptos. Que não há saída para nenhum problema. Que a culpa foi do modelo de colonização dos portugueses. Que para cá só veio bandido e puta. Que a gente era feliz e não sabia. Que era melhor se os militares voltassem. Que só se houvesse pena de morte...

O necessário, nesse momento, é uma geração de gente crítica, sim, mas não imobilizada e maniqueísta. Gente que possa apreender a realidade de uma maneira curiosa e, ao mesmo tempo, desconfiada. Que aprenda a filtrar, de alguma maneira, as distorções que os personagens tentam impor à História, sem que o diagnóstico dessa desonestidade leve à descrença geral e paralizante, mas que traga informação que possa ser usada em projeto de reconstrução.

Deu pra entender?

4 Comments:

Anonymous Anonymous said...

A Historia EH uma farsa. Mesmo q voce use todo o filtro da sua imaginacao purista e critica em favor da "verdade". Veja o exemplo da Frida Khalo, eh inevitavel a conexao subconsciente com a gostosona da Selma Hayek. Mas, nao tem importancia, isso acontece nas melhores familias.

4:16 PM  
Blogger Dimi said...

Pra começo de conversa, tenho tesão na Frida desde muito antes da Salma. Aliás, fomos juntos a uma exposição no MOMA sobre artistas latino americanos, em 94, e eh desse tempo o fetiche.

Por outro lado, vc está certa em dizer que eh uma farsa indisfarçável, a História. O que eu queria ter chegado a dizer, mas deu preguiça, é que ideologia, religião, nacionalismo e outras distorções do pensamento soh espessam a nebulosidade, e um espírito livre desses fenômenos pode chegar a um tipo de percepção mais útil. Mas é uma déia difícil de demosntrar, e deu preguiça.

Beijão.

9:53 PM  
Anonymous Anonymous said...

A geração de hoje está completamente morta, só falta enterrar. Sempre que eu leio ou vejo algo relacionado à época da ditadura e/ou os tempos de guerra antiga em outros paises eu acho o máximo como a população, apesar do medo, enfrentava aquilo tudo.
Creio que hj em dia ninguém faz nada pq a lavagem cerebral é a mentira camufladamente descarada, ai é mais fácil se acomodar e viver do jeito que dá!

Um blog de comentários anônimos, divertido!!!

Beijão!

;p

12:43 PM  
Anonymous Anonymous said...

Geeeeeente! O que deu no povo estas últimas semanas?... O jair também colocou um post sobre indignação, política, etc, etc... Eu, que nunca tive muito saco pra me meter em discussões desse tipo, me vi me manifestando em alguns fóruns também... Que será?! rssss
Gostei muito do post!
Mas Frida Khalo... Putaquepariu!... Bom, gosto também não se discute... rssss
Bjão

6:12 PM  

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