Saturday, July 22, 2006


Em Londrina

Hoje fui correr pela cidade, e passei na frente do Valentino, um bar que eu frequentava na década de 80, quando eu visitava Londrina. Houve também uns seis meses que eu passei por aqui, durante uma pausa no meu curso de medicina, em que ia toda noite, praticamente, nesse bar. Hoje vi que demoliram o Valentino. Está em ruínas, só com as fundações, uns restos de parede e umas colunas. Parece uma ruína romana, por causa das colunas.

Andando pelo sítio arqueológico, reconheci o assoalho da entrada, a escadinha que levava à varanda, em que nos sentávamos nos degráus, pra ficar bebendo, fumando e olhando o céu. Vi a base do balcão, um bom balcão de madeira escura, daqueles altos, de bar decente, ao qual você pode se enconstar e apoiar os cotovelos mesmo de pé, ou sentar-se em banquetas altas de madeira com estofado de couro. Acima do balcão havia um grande espelho inclinado, pelo qual você via o bar inteiro e então não precisava virar-se pra controlar o movimento ou fazer contato visual com alguém. Útil.

Cheguei ao sórdido assoalho do banheiro, onde eu vomitei tantas vezes, intoxicado pelo uísque ruim que nosso dinheiro podia pagar, na época. Num resto de parede, tinha um símbolo do anarquismo, que na época era praticamente o símbolo do Valentino, e da nossa geração, meio perdida entre os anos 60 e o final do século XX.

No interior, essas coisas se amplificam. Quem é maluco, é maluco mesmo. Não tem muita noção de limite, não tem muita gente com quem se comparar. Afinal, tem menos maluco na cidade como um todo. Maluco de capital, muitas vezes, é maluco de boutique, que parece maluco, mas se preserva, afinal. Em Londrina, naquela época, a galera detonava. A gente ficava toda noite conversando bobagem, bebendo muito, fumando muito, intoxicados por outras drogas disponíveis, até que rolava no som "Take a Walk On The Wild Side", do Lou Reed, ou "Zoot Alllures", do Zappa, e alguém aumentava o volume. Quando pintava uma festa, ia todo mundo, e o bar ficava vazia por um momento. Se a festa não prestasse, todo mundo voltava pra lá.

(As patricinhas de Londrina, também, são mais radicais, mais perfeitamente frívolas do que seus originais paulistanos. Vestem-se com um rigor muito maior, as marcas de roupa exatas, as idiossincrasias mais homogênias. São lindíssimas, sempre, por algum prodígio sócio-ambiental com prováveis repercussões endócrinas. Sempre estão à procura da balada perfeita. Em geral, ficam entediadas onde estão, querendo ir pra onde não estão, ou ligar pra quem não está lá.)

Na madrugada, havia a macarronada do Valentino, que salvava os estômagos açoitados pela boêmia. Aliás, açoitávamos nossos estômagos! A gente ia todo dia a esse Valentino. Na cidade, falavam que era um bar gay, mas todo mundo ia. Era a sede da cultura e da contracultura londrinense. Todo mundo que pensava ia lá, os que queriam fingir que pensavam algo também compareciam. No final de semana, mesmo a playboyzada frequentava. Sem fingir que pensava coisa alguma. Isso é uma coisa interessante a respeito do interior, as castas sociais convivem mais próximas. Os pés-rapados da minha época conheciam os ricaços, podiam até vomitar lado a lado no banheiro do Valentino, se dessem sorte. Ou azar, posto que é vômito.

Mas a sensação geral daquela época é bela. Um tempo em que éramos mais ingênuos, certamente, mais inseguros, talvez, mas em que experimentávamos mais a vida, em que vivíamos em grupo, pós-adolescentes, procurando uma identidade. Procurando ser algo que fizesse um sentido pessoal para cada um de nós, mesmo se isso fosse uma cirrose hepática precoce e inconseqüente. Algo diferente do que nossos pais pensavam que devêssemos ser. O Valentino fez parte desse caminho.

No muro do bar, picharam: "... a força da grana que ergue e destrói coisas belas..."

...


...Piegas!!!!!


Um beijo para: Lu, Shirley, Oswaldo, Lena, Claudinha, Carlão, Paulo, Maurício, Betina, Aninha...


P.S.: Acabei de falar com uma amiga dessa época, no MSN, ela falou que reinauguraram o Valentino noutro lugar, e estão, na verdade, tranferindo pra lá tudo o que era da casa original. A vontade é de dizer: "deixa quieto!!!"

7 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Adorei o texto!

2:59 AM  
Anonymous Anonymous said...

sei do que vc está dizendo, Dimi, tive aqui meus Valentinos tb. Talvez menos boteco mas igualmente ponto de encontro de castas com os mesmmos propósitos, lembra do Pirandello, se ia pra comer (a) Isadora Duncan?E o Saint-Germain/Sanja? e tantos outros,né. Foi bom, foi lindo mesmo, como present perfect, ninguém tira de lá, mas também não vive de novo...Guarda aí na sua caixinha interna de memórias. bjs

5:01 AM  
Anonymous Anonymous said...

Falando com meu irmão Wladzé agora, já sabendo da demolição anuciada...
...E de uma reinauguração.
Deve ser o Urso sem a pelúcia.
Bjs
Soca

11:23 PM  
Anonymous Anonymous said...

Quem nos anos 80 não teve seus momentos de "maluco beleza".
Eu era pré-aborrecente e, já curtia Madame Satã, Lattitude, Contra-Mão, Over Night... Ah! se os porões do Madame falasse.
Uma pena a juventude de hoje ter perdido a inocência da época. Enfiaram o pé na jaca de vez no Sexo, Drogas e Rock n'roll.

* Um lugar desse em Londrina e o "primo" Agostinho me leva num puteiro (que eu jugava ser um forró)... imperdoável.

3:28 AM  
Anonymous Anonymous said...

Saudade do que viveu... Ah, é melhor que a saudade que sinto! Até porque sinto saudade daquilo que jamais toquei. E que, embora acredite ser um tanto idealizado... Bem, é lindo!

7:23 AM  
Anonymous Anonymous said...

Êeee saudosismo!!!! *rs
Acho tudo isso muito saudavel, acho que "todo mundo" vai dizer que o antes era bem melhor do que o agora (e assim vai ser sempre...acho que daqui uns tempos eu tb vou dizer que a minha juventude era bem melhor que a dos meus filhos)
Bem, ao seus olhos pode ser que hoje não seja tão bom quanto o antes, mas acho que tudo tem sua época, e nela seu lado positivo (e negativo).
O que posso dizer é que faço parte da juventude de agora, e apesar de algumas coisas que concorde( e outras não) me sinto feliz assim ( o que pode ser por não ter experimentado o outro lado da "moeda")
Acomodação? um pouco!
Ah, mesmo sendo dessa "nova geração" eu tb procuro o "sentido pessoal" hahahahahahaha.

ps: meio confuso, mas blz...rsrsrs

um beijo! :-)

4:57 PM  
Anonymous Anonymous said...

Novidades - hoje, nem as ruínas!
Somente lembranças! Huuuummmm ...
Lembranças e somente não combinam.
Citando Guimarães Rosa: "O que lembro, tenho".
É isso?

Ziza

5:26 AM  

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