(ilustração: Fernando Botero, "The Bathroom", 1993.)
Libretto
Achei uma caixa de papelão contendo documentos meus do início da década passada, do período em que vivi em Boston. Parecem pertencer a outra pessoa. Tem uma texto que eu escrevi na época que tem ainda alguma graça, acho. Lá vai:
A ópera italiana, no final do século XIX, poderia ser definida como uma tipo de peça musical que termina com três cadáveres no palco, no mínimo.
Acto III
Pilombetta, a Condessa da Sabatina, encontra-se em seus aposentos à espera de Agnolotti, seu amante. Canta a famosa ária "Dio, come ti amo", uma apologia do canibalismo enquanto expressão religiosa e amorosa. Como de costume, sente-se sufocada pela culpa que a relação ilegítima, iniciada há nove anos e meio, acarreta, e pela partida de Cappadocci, seu marido, rumo a Waterloo. Os amantes haviam plantado informações falsas a respeito da suposta presença de Napoleão por aquelas paragens, a fim de conseguir privacidade por algumas semanas. O que Pilombetta não sabe é que Agnolotti, desejando a mulher somente para si, sabia que Napoleão estaria de fato em Waterloo, com um exército de proporções hollywoodianas. O que Agnolotti não sabia, porém, é que Wellington também seguia rumo ao mesmo campo de batalha, somando forças com com o famoso esquadrão Napolitano de Capadocci, temido tanto pela bravura quanto pelo bafo de alho. Nesse ponto, a platéia é que não sabe mais nada, pois perdera o fio da meada no meio do segundo ato, impacientes com a gritaria.
Cenna I:
Pillombetta: "Dio, comme tia amo! Dá-me un cornetto, molto crocante..."
(entra Agnolotti)
Agnolotti: "É piu cremmoso!"
Pillombetta: "É da Gellato!"
Agnolotti: "Cara mia, enfine soli!"
Pillombetta: "Non, non, per favuori! Oggi non, io sonno indisposta, dolore da cappo....
Agnolotti: "Ma Io sonno un asno, o u quê? Io sonno cansatto di parlare per tu non ire a il duommo di Doleres, questa Spagnolla non presta..."
Pillombetta: "Agnolotti, sei un asno, é vero, ma per otri razzioni. La dolce vita di luci qui hai promisatto a me é , in veritá, una fontanna di trevi..."
Agnolotti: "Ingratta! Discordate di quella volta qui fuommo jantare al Michellucio..."
Pillombetta: "Basta! Di questo giorno adellante Io sonno una donna líbera! Io sonno cansatta di calcio i fuórmula uno. Io voglio il Silvio Santi! Io sonno líbera, líbera, líbera..."
Agnolotti (sarcástico): "...e Io sono il cento-avanti..."
Pillombetta: "Io non sonno a gioccare. Io voglio il divuórcio."
Agnolotti (pragmático): "Megliori parlare con vostro maritto. Veni qüi, veni..."
Pillombetta (tentando desvencilhar-se dos abraços): "Alto! Non veni qui non teni!"
Agnolotti: "Cara mia, Io sonno apassionatto..."
Pillombetta: "Alto lá con tue mani! Ogiorno Io non voglio, tu solo cogita en questo..."
Agnolotti (abrindo o champagne): "Regardere: champagne, per brindare un encontro de due almi qui si ami...
Pillombetta: "Due almi? Vá benne! Regardere il volumino in tue pantalonni: ha insuflato il caneloni, taratto!"
Agnolotti: "Cara mia, ma Io sono victimato per tuo corpore, per tua bolognesa empinata, i rondelli a quasi explodire il mezza-taça... veni qui, veni..."
(ouvem-se passos no corridori)
Pillombetta: "Mio maritto!"
Agnolotti (para a platéia): "Ma non é possibile!"
Pillombetta: "Dentro d'il armani, presto!"
Cappadocci (entrando no quarto, aos gritos): "Victória!!!!"
Pillombetta: "Victória una ova, caffagesto, Io sonno Pillombeta, tua sposa! "
Cappadocci: "Ma Io parlo de la bataglia, en qui derrotammo il exercito di Napoleone..."
Pillombetta: "Vá benne, vá benne... ma non mi pisa con le buotti imundi n'il carpeto, solo perque víncite tuo mísero pugilatto."
Capparadocci: "Calma, qui l'Europa sei nostra."
Pillombetta: "...e vamo pedire una pizza, qui ogiorno Io non faccio il jantare."
Cappadocci: "Hummm, buona idea, una pizza, unas coca, musica molto romântica..."
Pillombetta: "Ma, otro? Hommi son tutti ugualli..."
Cappadocci: "Ma que otro? Que otro? Que escondere di me?"
Pillombetta: "Niente! Io non voi escondere niente di te, non piu! Io voglio il divuorcio, i la guarda di bambinni!"
Agnolotti (traindo-se, de dentro do armário): "Audácia da Pillombetta..."
Capadocci (ouvindo o amante): "Qui és questo?"
(abrindo o armário): "Ahá!!!!"
Agnolotti: "Gulp!"
Pillombetta: "Oh!"
Capaddocci: "Maledetta!"
Pillombetta: "Io puosso explicare..."
Agnolotti: "Scusa, ma io teno que ire..."
Cappadocci: " Carcamano!"
Pillombetta: "Larga!"
Cappadocci: "Putanesca!"
Inesperadamente, Agnolotti acaba matando o marido da amante, estrangulando-o com a echarpe que estava guardada no armário. Nesse momento, entra no quarto Victória, a amante de Cappadocci, que vinha pedir o dinheiro do aluguel, e mata Agnolotti com um tiro à queima-roupa, literalmente. Agnolotti cai dentro do guarda-roupa e metade da platéia acorda com o tiro. A outra metade já foi embora. Pillombetta, audaciosa, investe contra Victória, enterrando em suas costas a adaga que sempre levava na cinta-liga. Olha desolada para os cadáveres e suicida-se, tomando o veneno que sempre levava no decote. Perigosa, essa Pillombetta. Chega o entregador de pizza e também se mata. Pessoas se atiram do foyer e do balcão nobre. O maestro tenta atirar-se na platéia, mas é contido pelos primeiros-violinos. O New York Times exige uma intervenção da ONU, cobrando de Clinton uma postura mais firme na política externa. O presidente Itamar Franco diz-se "horrorizado" com o acontecido e declara que tomará todas as providências cabíveis para a mais rigorosa apuração dos fatos.
1 Comments:
Lembro deste "Libretto" da epoca de Boston. Eh muito engracado. Ainda me divirto lendo isso. Acho q o estilo eh meio luizfernandoverissimesco.
Acho q ele deve ser publicado no seu livro de "Contos". Beijoes.
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