Thursday, July 13, 2006

Ponto de Vista

O legal de sair de avião de São Paulo, além do fato de sair de São Paulo, é quando a gente vê a borda do campo, ou seja, a beirada da Serra do Mar, despencando na Baixada Santista. Dá pra ver a umidade do mar subindo ao encontrar o paredão da serra, e formando uma barreira de nuvens. É uma visão muito concreta de algo que a gente sabe que acontece, na teoria, mas quase nunca tem um ponto de vista distante o suficiente pra ver acontecendo.

Veio a lembrança da época em que eu era aluno de medicina. Numa cirurgia, lembro que o professor apontou pra um órgão interno, sei lá o que era, e mostrou uma infecção. Era algo que a gente raramente via ao vivo, algo que se tratava com antibióticos sistêmicos, via oral, mas, com o acesso que tínhamos ao tecido infeccionado, o cara simplesmente aplicou um pouco de antiséptico, com uma gaze, e curou a infecção. Simples assim. É o exato oposto das nuvens na serra. Uma perspectiva mais aproximada.

No caminho do aeroporto, ouvi o Jabor, com voz de ressaca, enxovalhar a situação da segurança pública em São Paulo, daquele jeito apocalíptico dele, demonstrando a entrada do país na era das situações sem saída, quando nada tem mais solução, desde a roubalheira no governo até os ataques do PCC, passando pela seleção e o Rubinho Barrichello. Ontem, numa conversa com uma amiga advogada, aprendi que nossas piores paranóias a respeito do judiciário podem ser justificadas; ela me contou histórias sobre a venalidade de juízes, causos de arrepiar; nada tem mais jeito mesmo, são todos uns filhos da puta, o mundo é uma bosta, e salve-se quem puder.

Eu, que sempre fui um otimista incorrigível, me sinto perdendo a leveza. Quase acredito na claustrofobia de um mundo falido, na avalanche de merda que vai soterrar todo o Ocidente, na conspiração dos homens egoístas que vão tornar impossíveis todos os propósitos dos homens justos. Tudo parece difícil, os buracos são sempre mais embaixo, as intenções são sempre obscuras, as razões reais são sempre encobertas pela mentira e a dissimulação, os esforços positivos são sempre soterrados pela preguiça e a conivência com as más intenções.

Mas, aí, o avião passa a restinga da Marambaia, que parece de mentira, de tão desenhada, entra por trás da baía de Guanabara, passa ao lado do Redentor, cruza no través da pista, faz um 270º na vertical, lambendo Niterói, os estaleiros com as plataformas de petróleo, encara a Rio-Niterói no contra-luz, os navios ao largo, aguardando a vez de entrar no porto, a Ilha Fiscal, alinha com a pista e toca como um sabão, tudo sem variar o motor.

Tentei achar o comandante, na saída, para dar os parabéns, mas não deu. Peguei o táxi mais sincronizado com o Cosmos, que é bem maior que o pessimismo. Às vezes falta perspectiva, falta olhar de longe. Às vezes falta aproximar mais. Às vezes tem que enxergar o abismo com olhos de engenheiro, tentando determinar o que precisa para construir a ponte. Outras vezes, tem que ter o olhar poético e apreciar a beleza do vazio.

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Oi moço... Sabe oq aconteceu hj aqui no flat, um hospede (médico), cheo da grana bateu o audy dele, totalmente bebabo... aliás bebada sou eu, ele ja tava quase em com qd saiu daqui...Feliz/ou infelizmente (pe ele podia ter matato alguém)ele não se machucou mt, e o delegado veio trazer ele ateh aqui pediu pra cuidar dele, entregar os papéis do boloteim de ocorrencia com o telefone dele, dizendo pro Dr. que estava tudo bem que ele podia ficar tranquilo. Pergunto se fosse uma pessoa num fusca que tivesse batido o carro, o delegado iria fazer isso??? Eh tudo errado, tudo sujo e feio... mas agente ainda pode apreciar a beleza de algumas coisas... a do vazio...
Beijos!

12:01 AM  
Anonymous Anonymous said...

Tô passando p/ espiar a vida alheia, e como não faço isso anonimamente aqui esta o comentário hahahahahahahahaha :P
Ta divagando "pouco", hein?
rsrsrsrsrss

um beijo,
Denise

6:57 PM  
Anonymous Anonymous said...

Desde que li seus "contos", achei que você levava jeito pra um bom escritor. Faz com que a gente viaje no texto.
Esse seu jeito de tecer comentários, nos leva a outra reflexão.
* conspiração dos homens egoístas que vão tornar impossíveis todos os propósitos dos homens justos.
* os esforços positivos são sempre soterrados pela preguiça e a conivência com as más intenções.
* Às vezes falta aproximar mais. Às vezes tem que enxergar o abismo com olhos de engenheiro, tentando determinar o que precisa para construir a ponte. Outras vezes, tem que ter o olhar poético e apreciar a beleza do vazio.
Essas frases tocam fundo, talvez, por ser o meu momento. Ou, apenas por serem profundas.

10:22 PM  

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